segunda-feira, 20 de julho de 2015

AS 10 ESTRATÉGIAS DE MANIPULAÇÃO MEDIÁTICA, OU SEJA COMO A COMUNICAÇÃO SOCIAL DOMINA A NOSSA DECISÃO!



1.   A estratégia da distracção.
O elemento primordial do controle social é a estratégia da distracção, que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e económicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundação de contínuas distracções e de informações insignificantes. A estratégia da distracção é igualmente indispensável para impedir que o público se interesse pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neuro-biologia e da cibernética. Manter a atenção do público distraído, longe dos verdadeiros problemas sociais, presa a temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado.

2.   Criar problemas e depois oferecer soluções.
Esse método também é denominado “problema-reacção-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reacção no público a fim de que este seja o mandante das medidas que desejam que sejam aceites. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja quem pede leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise económica para forçar a aceitação, como um mal menor, do retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços púbicos.

3.   A estratégia da gradualidade. 
Para fazer com que uma medida inaceitável passe a ser aceita basta aplicá-la gradualmente, a conta-gotas, por anos consecutivos. Dessa maneira, condições sócio-económicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980, 1990, 2000 e 2012... Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que teriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.

4.   A estratégia do diferimento. 
Outra maneira de forçar a aceitação de uma decisão impopular é a de apresentá-la como “dolorosa e desnecessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacríficio imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregue imediatamente. Logo, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isso dá mais tempo ao público para acostumar-se à ideia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.

5.  Dirigir-se ao público como se fossem menores de idade.
 A maior parte da publicidade dirigida ao grande público utiliza discursos, argumentos, personagens e entoação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade mental, como se o espectador fosse uma pessoa menor de idade ou portador de distúrbios mentais. Quanto mais tentem enganar o espectador, mais tendem a adoptar um tom infantilizante. Por quê? “Se alguém se dirige a uma pessoa como se ela tivesse 12 anos ou menos, em razão de factores de sugestão, então, provavelmente, ela terá uma resposta ou reacção também desprovida de um sentido crítico.

6.   Utilizar o aspecto emocional mais do que a reflexão. 
Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional e, finalmente, ao sentido crítico dos indivíduos. Por outro lado, a utilização do registo emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou enxertar ideias, desejos, medos e temores, compulsões ou induzir comportamentos…

7.  Manter o público na ignorância e na mediocridade.
Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. A qualidade da educação dada às classes sociais menos favorecidas deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que planeia entre as classes menos favorecidas e as classes mais favorecidas seja e permaneça impossível de alcançar.

8.   Estimular o público a ser complacente com a mediocridade. 
Levar o público a crer que é moda o facto de ser estúpido, vulgar e inculto.

9.   Reforçar a auto-culpabilidade. 
Fazer as pessoas acreditarem que são culpadas por sua própria desgraça, devido à pouca inteligência, por falta de capacidade ou de esforços. Assim, em vez de revoltar-se contra o sistema económico, o indivíduo se auto-desvaloriza e se culpabiliza, o que gera um estado depressivo, cujo um dos efeitos é a inibição de agir. E sem acção, não há revolução!

10.               Conhecer os indivíduos melhor do que eles mesmos se conhecem.
No transcurso dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência gerou uma brecha crescente entre os conhecimentos do público e os possuídos e utilizados pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neuro-biologia e à psicologia aplicada, o sistema” tem desfrutado de um conhecimento e avançado do ser humano, tanto no aspecto físico quanto no psicológico. O sistema conseguiu conhecer melhor o indivíduo comum do que ele a si mesmo. Isso significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos, maior do que o dos indivíduos sobre si mesmos.

Noam Chomsky



(Adaptado e corrigido por Luis Pereira)

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Vamos lá tratar de outras coisas...



Pronto, o Sócrates já foi julgado, condenado, preso e silenciado.

Até pode acontecer que, por absurdo, um qualquer tribunal o venha a absolver daqui a cinco ou mais anos – se entretanto o processo não prescrever -, mas isso já não interessa nada.

O Sócrates deixou de ser um caso político para passar a ser um caso de polícia. Ponto final!
Entretanto, como deixámos de estar distraídos com o Sócrates, é tempo de nos concentrarmos em vários casos que subsistem e que, aparentemente, eram menos prioritários.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Timor-Leste: onde está a verdade?


Timor-Leste trava neste momento um combate dramático em defesa dos recursos naturais do seu povo contra a cobiça das multinacionais do petróleo aliadas a um vizinho poderoso: a Austrália. À semelhança da história bíblica de David e Golias, assistimos a uma luta desigual entre um pequeno Estado que conquistou a independência já neste século, à custa do sangue do seu povo, e o gigante que se apoderou de uma enorme fatia da sua riqueza através de um acordo espúrio com a outra grande potencia regional, a troco do reconhecimento da invasão e ocupação militar de Timor pela Indonésia. Este combate épico desenrola-se em 3 frentes. Na frente diplomática, porque Timor não se resigna à recusa do Governo australiano de submeter a resolução do litígio sobre a fronteira marítima, ao Tribunal Internacional (prevê, acertadamente, que ali não lhe darão razão!). Na Comissão de Arbitragem em Singapura, onde as companhias petrolíferas e o Governo de Timor deviam chegar a acordo sobre as taxas e as deduções indevidas que as companhias não querem devolver a Timor -Leste. E, a terceira frente, nos tribunais timorenses que, apesar de as partes em conflito não terem concluído ainda a fase de "negociação amigável", em Singapura, aceitaram decidir a meia centena de ações judiciais que as companhias petrolíferas associadas à "Conoco Philips" intentaram contra o Estado soberano, para proteger os seus lucros. Inesperada e lamentável foi a abertura desta quarta frente, na retaguarda, suscitada pela suspensão dos contratos de funcionários internacionais ao serviço dos tribunais timorenses! Todos deploramos que "magistrados portugueses", sob esta única "denominação" veiculada pela Comunicação Social, tenham sido coletivamente qualificados, ainda que no âmbito de considerações laterais, como carecidos de experiência e adequada preparação em certos domínios técnicos, pelas autoridades timorenses. Por isso compreendemos, apesar de não as subscrever, afirmações de índole sindical ou corporativa sobre este "incidente" internacional. É de louvar a posição do Governo português, em comunicados do Ministério dos Negócios Estrangeiros e do Ministério da Justiça, cuja moderação se aprecia, porque o Governo está obrigado a prestar contas aos cidadãos nacionais sobre os "incidentes" da cooperação internacional. E também porque a política da língua decorre de uma estratégia cuja continuidade tem sido assegurada por governos sucessivos, maioria e oposição. Não é portanto matéria que se possa levianamente comprometer em confrontos de fações partidárias. Pelo contrário, muitos comentadores de serviço revelaram crassa ignorância e flagrantes preconceitos chauvinistas nas declarações que prestaram sobre este "incidente", fazendo crer que tudo se resumiria ao "filme habitual" da tentativa de encobrimento da corrupção política que bem conhecem de outras latitudes. De novo, "os magistrados portugueses" estariam envolvidos numa verdadeira operação "mãos limpas", há 3 anos, e seria esta a razão do seu inesperado "despedimento". Se fosse assim, como se entenderia que esperassem 3 anos para se "desembaraçarem" deles? Porque permitiram a condenação e o cumprimento da pena de prisão da antiga ministra da Justiça? Por que atendeu o Parlamento Nacional, quase sempre, os pedidos de levantamento da imunidade de membros do Governo, para que respondessem perante os tribunais? Só por indigência e imperdoável malícia se explica tal insinuação!As sentenças dos tribunais de Timor-Leste são públicas e assinadas pelos seus autores, tal como em Portugal. Recomenda-se que as consultem! O Conselho Superior da Magistratura timorense rege-se por normas análogas ao Conselho Superior da Magistratura de Portugal. Por isso não é o Governo de Timor quem nomeia os juízes nem lhes distribui ou retira os processos. Por isso, pode crescer a promiscuidade entre juízes timorenses e funcionários internacionais artificialmente equiparados aos primeiros, para o exercício soberano do poder de julgar e decidir processos judiciais, em nome da República de Timor-Leste. Ao mesmo tempo que se permitia que funcionários internacionais representassem o Estado e promovessem a ação penal, em paridade com os magistrados do Ministério Público timorenses. Uma história, enfim, que não podia ter um final feliz!

PEDRO BACELAR DE VASCONCELOS - JN

domingo, 28 de setembro de 2014

Carta aberta a uns pedaços de merda!




Olá, amiguinhos do FMI. Eu sou o ratinho branco. Desculpem estar a incomodar-vos agora que vocês estão com stress pós-traumático por terem lixado isto tudo. Concluíram vocês, depois do leite derramado: "A austeridade pode ser autodestrutiva." E: "O que fizemos foi contraproducente." Quem sou eu para desmentir, eu que, no fundo, só fiquei com o canto dos lábios caídos, sem esperança? O que é isso comparado com a vossa dor?! Eu só estiquei o pernil ou apanhei três tipos de cancro, mas é para isso que servimos nos laboratório: somos baratos e dóceis. Já vocês não têm esses estados de alma (ficar sem emprego, que mau gosto...), vocês são deuses com fatos de alpaca e gravata vermelha como esses três novos que acabam de desembarcar para nos analisar os reflexos. "Corre, ratinho branco!", e eu corro. Vocês cortam-me as patas: "Corre, ratinho branco!", e eu não corro. E vocês apontam nos vossos canhenhos sábios: "Os ratos sem pernas ficam surdos." Como vocês são sábios! E humildes. Fizeram-nos uma experiência que falhou e fazem um relatório: olha, falhou. Que lição de profissionalismo, deixam-nos na merda e assumem. Assumir quer dizer "vamos mudar-lhes as doses", não é? E, amanhã, se falhar, outro relatório: olha, falhou. O vosso destino, amiguinhos do FMI, eu compreendo. Vocês são aves de arribação, falham aqui, partem para ali. Entendo menos o dos vossos kapos locais: em falhando e ficando, porque continuam seguros no laboratório?

FERREIRA FERNANDES - DN

sábado, 19 de julho de 2014

A Mão no Poder!

Há grupos económicos portugueses que mantêm intactos os seus privilégios desde os tempos da monarquia. Ao longo de séculos, conseguiram domesticar todos os regimes.
Até hoje, cativam uma parte significativa do orçamento de estado, à custa do qual se habituaram a enriquecer. Beneficiam de rendas das parcerias público-privadas da saúde, como acontece com o grupo Mello ou Espírito Santo. Recebem milhões pelo pagamento de juros da dívida pública. Obtêm concessões em monopólio, como acontece com a Brisa, detentora, por autorização governamental, das auto-estradas de Porto a Lisboa. Os favores que recebem do estado têm revestido as mais diversas formas. No tempo do fascismo, obtinham licenças num regime de condicionamento industrial, em que só os amigos do regime podiam criar empresas. O seu domínio sobre a economia e a política vem dos tempos da monarquia, onde pontificava o conde do Cartaxo, antepassado da família Mello. Já os Espírito Santo descendem do poderoso conde de Rendufe. Assim, estes grupos conseguiram trazer até ao século XXI, incólume, a lógica feudal, a tradição de atribuição de prebendas aos poderosos. Com uma diferença. Enquanto no tempo do feudalismo o rei atribuía privilégios que consistiam na doação de benefícios económicos (terras), a par de poder político (títulos), hoje apenas se concedem favores económicos. Assim, estes grupos mantêm o poder sem os incómodos do escrutínio democrático. Sabem que mais importante do que ter o poder na mão é ter a mão no poder. Até porque sempre influenciaram a política. Conseguiram-no no tempo de Salazar, através do fascínio que Ricardo Espírito Santo exercia sobre o ditador. Em democracia, contratam políticos de todas as tendências. Eanistas como Henrique Granadeiro, socialistas como Manuel Pinho ou social-democratas como Catroga. Neste jogo democrático viciado, os cidadãos são hoje como os servos da gleba de outrora, mas agora sob a forma de contribuintes usurpados. E reféns do sistema vigente, que muitos chamam de neoliberalismo, mas que não é novo nem é liberal. É apenas a manutenção do velho feudalismo.

Paulo Morais

domingo, 1 de junho de 2014

Um dia isto tinha que acontecer!



Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos numa abastança caprichosa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes as agruras da vida.
Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com frustrações.
A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e também estão) à rasca são os que mais tiveram tudo. Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus jovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos.
Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, a minha geração e as seguintes (actualmente entre os 30 e os 50 anos) vingaram-se das dificuldades em que foram criadas, no antes ou no pós 1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor.
Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiram nos seus descendentes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles a geração mais qualificada de sempre (já lá vamos...), mas também lhes deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais de diversão, cartas de condução e 1.º automóvel, depósitos de combustível cheios, dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando as expectativas de primeiro emprego saíram goradas, a família continuou presente, a garantir aos filhos cama, mesa e roupa lavada.
Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o melhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas vezes em substituição de princípios e de uma educação para a qual não havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do ordenado com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes.
Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego, ... A vaquinha emagreceu, feneceu, secou.
Foi então que os pais ficaram à rasca.
Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchem Pavilhões Atlânticos e festivais de música e bares e discotecas onde não se entra à borla nem se consome fiado.
Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuar a pagar restaurante aos filhos, num país onde uma festa de aniversário de adolescente que se preza é no restaurante e vedada a pais.
São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água e da luz e do resto, e que abdicam dos seus pequenos prazeres para que os filhos não prescindam da internet de banda larga a alta velocidade, nem dos qualquercoisaphones ou pads, sempre de última geração.
São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a ter de dizer "não". É um "não" que nunca ensinaram os filhos a ouvir, e que por isso eles não suportam, nem compreendem, porque eles têm direitos, porque eles têm necessidades, porque eles têm expectativas, porque lhes disseram que eles são muito bons e eles querem, e querem, querem o que já ninguém lhes pode dar!
A sociedade colhe assim hoje os frutos do que semeou durante pelo menos duas décadas.
Eis agora uma geração de pais impotentes e frustrados.
Eis agora uma geração jovem altamente qualificada, que andou muito por escolas e universidades mas que estudou pouco e que aprendeu e sabe na proporção do que estudou. Uma geração que colecciona diplomas com que o país lhes alimenta o ego insuflado, mas que são uma ilusão, pois correspondem a pouco conhecimento teórico e a duvidosa capacidade operacional.
Eis uma geração que vai a toda a parte, mas que não sabe estar em sítio nenhum. Uma geração que tem acesso a informação sem que isso signifique que é informada; uma geração dotada de trôpegas competências de leitura e interpretação da realidade em que se insere.
Eis uma geração habituada a comunicar por abreviaturas e frustrada por não poder abreviar do mesmo modo o caminho para o sucesso. Uma geração que deseja saltar as etapas da ascensão social à mesma velocidade que queimou etapas de crescimento. Uma geração que distingue mal a diferença entre emprego e trabalho, ambicionando mais aquele do que este, num tempo em que nem um nem outro abundam.
Eis uma geração que, de repente, se apercebeu que não manda no mundo como mandou nos pais e que agora quer ditar regras à sociedade como as foi ditando à escola, alarvemente e sem maneiras.
Eis uma geração tão habituada ao muito e ao supérfluo que o pouco não lhe chega e o acessório se lhe tornou indispensável.
Eis uma geração consumista, insaciável e completamente desorientada.
Eis uma geração preparadinha para ser arrastada, para servir de montada a quem é exímio na arte de cavalgar demagogicamente sobre o desespero alheio.
Há talento e cultura e capacidade e competência e solidariedade e inteligência nesta geração?
Claro que há. Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos!
Os jovens que detêm estas capacidades-características não encaixam no retrato colectivo, pouco se identificam com os seus contemporâneos, e nem são esses que se queixam assim (embora estejam à rasca, como todos nós).
Chego a ter a impressão de que, se alguns jovens mais inflamados pudessem, atirariam ao tapete os seus contemporâneos que trabalham bem, os que são empreendedores, os que conseguem bons resultados académicos, porque, que inveja! que chatice!, são betinhos, cromos que só estorvam os outros (como se viu no último Prós e Contras) e, oh, injustiça!, já estão a ser capazes de abarbatar bons ordenados e a subir na vida.
E nós, os mais velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada dos nossos locais de trabalho, para deixarmos livres os invejados lugares a que alguns acham ter direito e que pelos vistos - e a acreditar no que ultimamente ouvimos de algumas almas - ocupamos injusta, imerecida e indevidamente?!!!
Novos e velhos, todos estamos à rasca.
Apesar do tom desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena destes jovens.
Tudo o que atrás escrevi serve apenas para demonstrar a minha firme convicção de que a culpa não é deles.
A culpa de tudo isto é nossa, que não soubemos formar nem educar, nem fazer melhor, mas é uma culpa que morre solteira, porque é de todos, e a sociedade não consegue, não quer, não pode assumi-la. Curiosamente, não é desta culpa maior que os jovens agora nos acusam.
Haverá mais triste prova do nosso falhanço?

domingo, 25 de maio de 2014

O PÊNDULO DA HISTÓRIA!


O grande Estaline


"As obras teóricas do grande Estaline são contribuições valiosas. Por elas estudaram e estudam o marxismo-leninismo milhões de operários em todo o Mundo. Com elas o Partido Comunista da China e o Partido do Trabalho da Albânia educaram os seus quadros, com elas formaram milhares de bolcheviques na União Soviética. (...) O camarada Estaline está demasiado vivo nos corações de todos os explorados e oprimidos do mundo inteiro para que oportunista algum o possa fazer esquecer. A vida, a obra, a actividade do grande Estaline pertencem aos Comunistas de todo o mundo e não apenas aos soviéticos, pertencem à classe operária e não apenas ao povo da URSS. Na pátria do Socialismo, a União Soviética, o Socialismo vencerá, uma nova revolução surgirá tarde ou cedo. Os autênticos comunistas soviéticos já se organizaram e, juntamente com a classe operária e o povo da URSS, erguerão bem alto a bandeira vermelha de Estaline, instaurando de novo o poder proletário. Força alguma o poderá evitar. QUE VIVA ESTALINE!".

(Este artigo foi assinado pelo camarada Abel, no "Luta Popular" de Setembro de 1975.
O camarada Abel era, à época, José Manuel Durão Barroso, militante do MRPP e agora militante do PSD, ex-primeiro-ministro e actual presidente da Comissão Europeia).

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Onde estão os críticos de Jesus?


Na ressaca dos três troféus perdidos no final da temporada passada, muitos não hesitaram em pedir a demissão de Jorge Jesus. Os argumentos eram vários, fosse pela arrogância demonstrada, pela pouca capacidade de gerir o esforço dos jogadores, pela parca aposta em futebolistas portugueses ou até pelo alegado sportinguismo.

Mas havia a outra face da moeda. A capacidade de Jesus em potenciar jogadores, em adaptar de forma absolutamente bem sucedida atletas a determinadas posições, e a “nota artística” que introduzia em grande parte das partidas, o seu cunho pessoal a um Benfica, que para muitos, jogava finalmente… à Benfica.

E mais, que treinador estaria à altura para o substituir? Que português disponível, com estofo e que garantisse um melhor serviço que JJ poderia orientar os encarnados? E que estrangeiro teria conhecimento necessário sobre as águias e o futebol português para vingar de imediato?

Quando algo vai mal num clube, nem sempre a solução é a drástica mudança de treinador. Quando uma equipa perde três competições nos últimos jogos é porque disputou as três frentes até ao fim. Existe um mérito por detrás do fracasso, mesmo que isso se tenha verificado várias vezes durante três anos.

Há quanto tempo o emblema da Luz não chegava a uma final europeia, ou só mesmo a uma meia-final? Com Jesus, o mínimo foi sempre os quartos-de-final, incluindo na Liga dos Campeões, em 2011/12. Há quanto tempo o Benfica não perdia apenas um jogo no campeonato? Há quanto tempo os encarnados não mantinham uma consistência exibicional? Quando é que antes se tinha assistido a um encaixe financeiro tão volumoso na história das águias?

JJ conseguiu marcos históricos, e nos primeiros três anos, conquistou mais títulos que a formação lisboeta nos treze anteriores. Razões mais do que suficientes para continuar? Acreditei que sim, que Luís Filipe Vieira também.

Afinal, mais do que uma mudança de treinador, urgia sobretudo alterar a filosofia de jogo, tornando o até então extremamente atractivo, ofensivo e vertical futebol do SLB, num modelo mais calculista, sereno e pragmático.

Os resultados estão à vista. O campeonato já está garantido matematicamente. Até há data, faltando disputar apenas duas jornadas, os encarnados têm 56 golos marcados. O pior registo do Benfica de Jesus neste aspecto foram os 61 apontados em 2010/11. Se mantiver a média (dois por jogo), chegará aos 60. Muito longe dos registos de 2009/10 (78) e 2012/13 (77) ou até de 2011/12 (66). De certa forma, prova o pragmatismo de 2013/14, que trava no 1-0 ou 2-0 para depois apenas gerir.

Também no número de golos sofridos é visível os encarnados estão a arriscar menos. Apenas 15 tentos consentidos até à 28ª jornada, e a menos que um imprevisto os faça sofrer mais cinco nos dois encontros que restam, este será o Benfica de Jesus com o melhor registo defensivo. O recorde é de 20, em 2009/10 e 2012/13.

Mas não foi só pela versatilidade que JJ silenciou os críticos. A cada época, uma nova adversidade: Na temporada de estreia, não havia um lateral-esquerdo de raiz que desse garantias. Em 2010/11, não houve ninguém que substituísse de um momento para o outro a capacidade todo-o-terreno de Ramires ou a magia de Di María. E em janeiro, partiu David Luiz, uma das referências. Em 2011/12, nem Emerson nem Capdevila renderam eficientemente Fábio Coentrão e a profundidade que este dava ao corredor esquerdo, muitas vezes o mais desequilibrador dos encarnados, mesmo partindo a tantos metros da baliza adversária. E quando em 2012/13, mesmo em cima do fecho do mercado, Javi García e Witsel foram transferidos e deixaram o plantel com escassez de médios? E mesmo este ano, quando Matic, considerado por muitos como o elemento-chave da equipa, foi vendido no mercado de inverno?

Com improviso e muito labor, o Benfica de Jesus já actuou em 4x4x2, 4x1x3x2, 4x2x3x1 e 4x3x3. Com pontas-de-lança móveis ou posicionais, com laterais ofensivos ou apenas consistentes defensivamente, com um ‘10’ puro ou com um segundo avançado e com extremos a procurarem verticalizar ou a explorarem diagonais, a qualidade do jogo foi sempre uma constante.

Antes de adaptações bem sucedidas ou de trabalho intensivo, Fábio Coentrão era apenas um extremo que tardava em afirmar-se e que passava por sucessivos empréstimos, Matic um trinco bom de bola mas fraco no posicionamento e Enzo Pérez um ala sem espaço no onze. Hoje, são futebolistas de topo nas suas posições.

O antigo técnico de clubes como os Vitórias, Belenenses e Braga, para além do campeonato conquistado esta época, ainda conseguiu um triunfo bastante pessoal, apesar da máxima descrição. No início da temporada, quando as coisas pareciam não caminhar no rumo certo, a sua autoridade foi posta em causa, quando Cardozo, depois do incidente no Jamor em maio de 2013, foi reintegrado no plantel. Se no começo ainda marcou vários golos, foi quando o paraguaio se lesionou e praticamente não mais voltou como titular que os encarnados encavalitarem rumo ao título. Foi o ano com pior registo do Tacuara, com JJ ao leme. Apenas sete golos marcados na Liga, contra os 26, 12, 20 e 17 do antecedente. E mesmo em termos de jogos, até há data Cardozo soma apenas catorze, dos quais somente cinco enquanto titular. Também aqui, o pior registo do sul-americano.

Das pequenas vitórias pessoais aos títulos conquistados, com passagem pelos recordes batidos e adaptações bem sucedidas, os críticos não ficaram com outro remédio que não seja renderem-se às evidências. E a época ainda não acabou. Depois do que aconteceu há um ano, é de duvidar que o Benfica seja negligente no Jamor e deixe escapar a dobradinha. E mesmo na Liga Europa, o discurso humilde perante a força da Juventus deixa transparecer que a eliminação será vista com normalidade. Tudo o que vier por acréscimo, será bem-vindo.

E se em Julho/Agosto poucos acreditavam numa temporada assim, agora até se fala insistentemente em início de um novo ciclo no futebol português, contrariando a hegemonia do FC Porto no pós-25 de Abril. É caso para perguntar: Onde estão os críticos de Jorge Jesus?

http://davidjosepereira.blogspot.pt/2014/04/onde-estao-os-criticos-de-jesus.html

domingo, 13 de abril de 2014

Primeiro-Mentiroso!




Passos Coelho, quando candidato nas últimas eleições, prometeu o céu. Mas remeteu-nos ao inferno. Em campanha, tinha garantido que jamais aumentaria impostos. Afiançou também que não seria necessário baixar salários, pensões e reformas ou retirar subsídios. 
O equilíbrio das contas públicas far-se-ia com a redução de gorduras nos sectores intermédios do estado, a diminuição das rendas das parcerias público-privadas e, a longo prazo, com uma profunda reforma da Administração. Dois anos volvidos, conclui-se que Passos Coelho aplicou medidas precisamente opostas às que tinha prometido. Mentiu-nos, numa atitude em que foi acompanhado pelo seu parceiro de coligação. 
O CDS defendia a diminuição da carga fiscal, até chegar ao governo e se tornar cúmplice do seu agravamento. O antecessor de Passos, José Sócrates, fez o mesmo. Prometendo não aumentar impostos, não tardou em fazê-lo quando subiu ao poder. Mais um mentiroso. Da mesma forma, Durão Barroso tinha anunciado, na campanha de 2002, um choque fiscal, com uma brutal redução de impostos. Mal tomou posse, a primeira medida tomada pela sua ministra das finanças, Manuela Ferreira Leite foi… aumentar impostos. 
O comportamento de dirigentes que, deliberadamente, enganam o povo em campanha não é admissível. A democracia só é autêntica quando se contrapõem, nas eleições, projetos alternativos. Os eleitos devem-se sentir obrigados a honrar e implementar o programa vencedor. Não há desculpas para não cumprir, nem mesmo o desconhecimento da realidade concreta. 
Quem se candidata a lugares desta importância não pode revelar tamanha incompetência. Com estas práticas de mentira reiterada, desacredita-se todo o sistema democrático. Os deputados votam leis contrárias ao programa a que se vincularam em campanha, violando assim a lealdade que devem aos seus eleitores. 
Os partidos do arco do poder transformaram os processos eleitorais, que deveriam servir para o debate de ideias e confronto de projectos políticos, em circos de sedução em que acaba por ganhar quem é mais eficaz a enganar os cidadãos. As eleições transformaram-se em concursos para a escolha do melhor mentiroso. O troféu em jogo é a chefia do governo.


Paulo Morais, Professor Universitário - CM

segunda-feira, 31 de março de 2014

Resistir é preciso e é urgente!


Voltou o pé descalço, a fome envergonhada ou às claras, miúdos às centenas que vão para a escola sem nada no estômago. O empobrecimento da pátria é um ultraje e uma má memória para quem, como eu, por exemplo, é do tempo da miséria religiosa do salazarismo.

Com o ar grave e a voz timbrada que se lhe conhecem, o dr. Pedro Passos Coelho foi às televisões e disse: "Vou tomar medidas para erradicar a fome no nosso país." Além do tropeção no idioma (que lhe é comum), esclareço que quem "toma medidas" são os alfaiates e as costureiras; ele, Passos, como governante "toma decisões." Depois, há uma insultuosa falta de pudor, quando assevera que irá "erradicar a fome no nosso país." Não foi ele que proclamou o "empobrecimento" dos portugueses como estratégia necessária ao equilíbrio das finanças?

Semeou a fome, a miséria, o desemprego. Incitou os jovens a sair da pátria; acabou com milhares e milhares de empresas; perseguiu, e persegue, os funcionários públicos, os pensionistas, os reformados; corta ferozmente nos salários, nas pensões, nas receitas ordinárias dos mais desvalidos; os velhos são ignorados e, pior do que isso, desprezados como objectos inúteis; tripudia sobre os valores mais sagrados da democracia; acabou com os feriados do 1.º de Dezembro e do 5 de Outubro e anda, ele e os seus, com emblemas da bandeira republicana ostensivamente na lapela. A lista de iniquidades, aleivosias e indignidades é a mais longa registada em Portugal na II República. Não é nunca de mais repetir os malefícios feitos por este homem ao País, pois a máquina de propaganda do Governo, que custa fortunas ao erário público, não deixa de nos matraquear com embustes e falsidades.

O problema destas políticas celeradas é que muitas delas são tão fundas que dificilmente podem ser anuladas. Depois, uma inércia e uma aparente resignação populares deixam livre o caminho para as manigâncias. Já se viu que o PS de António José Seguro não dispõe nem de força, nem de ideologia, nem de massa crítica que possam enfrentar, com denodo e eficácia, a formidável tempestade desencadeada por estes gestores de empresas, que transformaram Portugal numa república de gente amorfa.

Quem vier a seguir a esta gente, se for outra com rumos diferentes, vai ter uma tarefa hercúlea para inverter a tendência. Não me parece, francamente não me parece, que o actual secretário-geral do PS, se for o caso, disponha de estilo político e de poder necessários à transposição. Aliás, a chamada de Jorge Coelho e de José Sócrates à primeira linha da luta, revela até que ponto é elevada a preocupação dos dirigentes socialistas. Apesar da violência da política de Passos, a diferença, nas sondagens, entre os dois partidos "de poder", é mínima.

A miséria que alastra no País, o aumento do número de pobres, ainda há dias anunciado pelas estatísticas, são de molde a deixarem-nos encrespados. Voltou o pé descalço, a fome envergonhada ou às claras, miúdos às centenas que vão para a escola sem nada no estômago. Voltou o país esmoler, de mão estendida à porta das igrejas. Voltaram as instituições de apoio social a garantir pão e sopa a milhares de portugueses. O empobrecimento da pátria é um ultraje e uma má memória para quem, como eu, por exemplo, é do tempo da miséria religiosa do salazarismo. Em três anos de governação, Passos Coelho e os seus fizeram-nos regredir cinquenta, e depredaram os sonhos e as esperanças dos nascidos depois da queda do fascismo. Não podemos permitir que o agravo prossiga. É preciso voltar a escorraçar o medo.

Relembrar Abril e a Resistência
Uma das vozes mais genuínas e poderosas da Resistência, antes e depois do 25 de Abril, é a de Manuel Alegre. Os poemas que nos ofereceu, com generosa grandeza, constituem um imparável acervo de esperança e de incitamento à não renúncia. Um grande poeta, na tradição de combate que marca a nossa lírica como um emblema e uma alusão à decência e à dignidade, mesmo quando tudo parece perdido. Nesta quadra de memórias e de lembranças do sonho, a Dom Quixote publicou uma selecção de alguns dos mais belos e significativos poemas do autor de "Trova do Vento que Passa", que tem sido o hino de várias gerações. "Há sempre alguém que resiste / há sempre alguém que diz não." O livro, "País de Abril", insere textos poéticos estranhamente premonitórios do que iria acontecer, anos mais tarde, numa madrugada luminosa. E simbolizam a coragem e a probidade moral e cultural de um homem que sempre recusou capitular ou trair. "País de Abril" é, além de tudo o mais, um texto estimulante, nestes tempos sombrios.


b.bastos@netcabo.pt

domingo, 2 de março de 2014

Acordaram o urso e dizem que a culpa é do urso.


Há 161 anos, a Rússia envolveu-se numa guerra contra a França, a Grã-Bretanha, o Império Otomano e a Sardenha. A Rússia perdeu. O conflito, entre 1853 e 1856, ficou conhecido como a Guerra da Crimeia.
Hoje, é outra vez e desgraçadamente a Crimeia. Mas, se as razões para a Rússia ser novamente protagonista não são talvez as melhores, são no entanto razões diferentes.
Como se sabe, o até há algum tempo presidente ucraniano foi derrubado e está agora refugiado na Rússia. Aqueles que o fizeram cair, esses, dizem-se "pró-europeus".
A verdade é que Ianukovitch, um patifório com quem ninguém de bom trato tomaria chá, tinha sido eleito em 2010, com um mapa dos resultados eleitorais revelador. Realmente, ganhou, e por grande margem, o leste e sul do país, e perdeu, e por grande margem, o ocidente para Timochenko, a sua rival (que também não é flor que se cheire). Feitas as contas, Ianukovitch ganhou um Estado partido a meio, não por motivos políticos mas por diferenças profundas de natureza étnica, linguística e cultural.
A Ucrânia é multinacional. Uns, identificam-se como etnicamente ucranianos; outros, com a mesma convicção, dizem-se russos ou russófonos. De permeio, judeus, tártaros e outros grupos de menor expressão. Para ajudar à festa, e como se viu nas últimas eleições, os dois grupos principais estão muito concentrados territorialmente. Na Crimeia, por exemplo, vivem 58% de russos, 12% de tártaros e "apenas" 24% de ucranianos em sentido estrito (embora esta qualificação seja absurda).
Como quem foi ocupando o poder nunca quis esbater este fosso, a Ucrânia nunca foi, não é e não sei quando poderá vir a ser uma democracia. De facto, quando a população vota em função da etnia, os resultados só cristalizam e agravam uma oposição entre grupos, não exprimem a vontade de um, e só um, povo. E, quando assim é, o grupo que "ganha" ou está "por cima" quer tudo; e quer, sobretudo, mostrar ao outro que é ele que manda.
Assim se explica que o urso russo tenha acordado, e é erro muito grave deixar de lado este factor e a força da História e do "sangue". Que mostre agora as garras na Crimeia e que Putin tenha pedido à Câmara alta do Parlamento que o autorize a enviar tropas para a Ucrânia.
Dirão alguns, agrilhoados numa visão fechada do "nós" contra o "outro" (o "mau"): a Rússia é imperialista, a Rússia é perigosa. A esses, respondo com um exercício.
Imaginem que os Estados Unidos tinham ficado sem uma parcela do seu território, entregue a um país vizinho e onde ficaram milhões de americanos. Imaginem que nesse território os EUA tinham conservado uma base naval fundamental para os seus interesses estratégicos. E imaginem, finalmente, que os EUA, com algum fundamento, sentiam que os "seus" norte-americanos e a base naquele tal território estavam em risco. Ficavam quietos? Brincamos, é?
Para quem a saiba, a História (aquela coisa inútil que não serve para nada) ajuda muito. Quando se quer evitar um conflito que pode vir a ser muito grave, a primeira tarefa é tentar saber onde está a corda e qual a sua resistência. Porque, quando a corda se parte, é tarde e logo se ouve o rufar dos tambores da guerra.

Azeredo Lopes - JN

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Carta ao pai!



Ontem, o meu pai foi-se embora. Não vem e já volta; emigrou para o Recife e deixou este país, onde nasceu e onde viveu durante 65 anos. A sua reforma seria, por cá, de duzentos e poucos euros, mais uma pequena reforma da Sociedade Portuguesa de Autores que tem servido, durante os últimos anos, para pagar o carro onde se deslocava por Lisboa e para os concertos que foi dando pelo país. Nesses concertos teve salas cheias, meio-cheias e, por vezes, quase vazias; fê-lo sempre (era o seu trabalho) com um sorriso nos lábios e boa disposição, ganhando à bilheteira. Ontem, quando me deitei, senti-me triste. E, ao mesmo tempo, senti-me feliz. Triste, porque o mais normal é que os filhos emigrem e não os pais (mas talvez Portugal tenha sido capaz, nos últimos anos, de conseguir baralhar essa tendência). Feliz, porque admiro-lhe a coragem de começar outra vez num país que quase desconhece (e onde quase o desconhecem), partindo animado pelas coisas novas que irá encontrar. Tudo isto são coisas pessoais que não interessam a ninguém, excepto à família do senhor Tordo. Acontece que o meu pai, quer se goste ou não da música que fez, foi uma figura conhecida desde muito novo e, portanto, a sua partida, que ele se limitou a anunciar no Facebook, onde mantinha contacto regular com os amigos e admiradores, acabou por se tornar mediática. E é essa a razão pela qual escrevo: porque, quase sem o querer, li alguns dos comentários à sua partida. Muita gente se despediu com palavras de encorajamento. Outros, contudo, mandaram-no para Cuba. Ou para a Coreia do Norte. Ou disseram que já devia ter emigrado há muito. Que só faz falta quem cá está. Chamam-lhe palavrões dos duros. Associam-no à política, de que se dissociou activamente há décadas (enquanto lá esteve contribuiu, à sua modesta maneira, com outros músicos, escritores, cineastas e artistas, para a libertação de um povo). E perguntaram o que iria fazer: limpar WC's e cozinhas? Usufruir da reforma dourada? Agarrar um "tacho" proporcionado pelos "amiguinhos"? Houve até um que, com ironia insuspeita, lhe pediu que "deixasse cá a reforma". Os duzentos e tal euros. Eu entendo o desamor. Sempre o entendi; é natural, ainda mais natural quando vivemos como vivemos e onde vivemos e com as dificuldades por que passamos. O que eu não entendo é o ódio. O meu pai, que é uma pessoa cheia de defeitos como todos nós - e como todos os autores destes singelos insultos -, fez aquilo que lhe restava fazer. Quer se queira, quer não, ele faz parte da história da música em Portugal. Sozinho, ou com Ary dos Santos, ou para algumas das vozes mais apreciadas do público de hoje - Carminho, Carlos do Carmo, Marisa, são incontáveis - fez alguns dos temas que irão perdurar enquanto nos for permitido ouvir música. Pouco importa quem é o homem; isso fica reservado para a intimidade de quem o conhece. Eu conheço-o: é um tipo simpático e cheio de humor, que está bem com a vida e que, ontem, partiu com uma mala às costas e uma guitarra na mão, aos 65 anos, cansado deste país onde, mais cedo do que tarde, aqueles que o mandam para Cuba, a Coreia do Norte ou limpar WC's e cozinhas encontrarão, finalmente, a terra prometida: um lugar onde nada restará senão os reality shows da televisão, as telenovelas e a vergonha. Os nossos governantes têm-se preparado para anunciar, contentíssimos, que a crise acabou, esquecendo-se de dizer tudo o que acabou com ela. A primeira coisa foi a cultura, que é o património de um país. A segunda foi a felicidade, que está ausente dos rostos de quem anda na rua todos os dias. A terceira foi a esperança. E a quarta foi o meu pai, e outros como ele, que se recusam a ser governados por gente que fez tudo para dar cabo deste país - do país que ele, e milhões de pessoas como ele, cheias de defeitos, quiseram construir: um país melhor para os filhos e para os netos. Fracassaram nesse propósito; enganaram-se ao pensarem que podíamos mudar. Não queremos mudar. Queremos esta miséria, admitimo-la, deixamos passar. E alguns de nós até aí estão para insultar, do conforto dos seus sofás, quem, por não ter trabalho aqui - e precisar de trabalhar para, aos 65 anos, não se transformar num fantasma ou num pedinte - pegou nas malas e numa guitarra e se foi embora. Ontem, ao deitar-me, imaginei-o dentro do avião, sozinho, a sonhar com o futuro; bem-disposto, com um sorriso nos lábios. Eu vou ter muitas saudades dele, mas sou suspeito. Dói-me saber que, ontem, o meu pai se foi embora.

João Tordo.

sábado, 1 de fevereiro de 2014



31 de Janeiro, é o dia nacional do Sargento português.
Não se trata de um acaso sem significado histórico a escolha desta data. Ela foi seleccionada, porque, neste dia, em 1891, na cidade do Porto, os sargentos da guarnição militar, acompanhados de dois ou três oficiais de baixa graduação, fizeram sair para a rua uma revolta militar destinada a proclamar — como, aliás, foi proclamada — a República como regime em Portugal. Foram eles, os Sargentos, quem “limpou” a honra do Exército contra a afronta ocorrida um ano antes, quando a Inglaterra enxovalhou internacionalmente a Monarquia portuguesa, obrigando-a a transmitir ordens para Moçambique, fazendo recuar uma pequena força militar que ocupava territórios que, segundo Londres, estavam sob a protecção soberana da coroa britânica. Foi o célebre Ultimatum de 1890. Foi o começo do fim de uma Monarquia que já não tinha nem glória nem dignidade para representar uma Nação. O Sargentos foram os primeiros a pressentirem e a manifestarem o sentimento de revolta das Forças Armadas. Foram ingénuos no modo como executaram a tentativa revolucionária, deixando-se arrastar por um romantismo que socialmente vivia à flor da pele. Mas essa ingenuidade só provou o lado bom dos Sargentos, despindo-os de interesseiras intenções. Só queriam o que julgavam ser o regime mais representativo, mais democrático e mais justo para Portugal. Muitos pagaram com a vida, com a prisão e o degredo a ousadia de levarem pela frente um desejo que ainda não estava suficientemente maduro no seio da sociedade nacional. Mas o exemplo ficou e frutificou em 5 de Outubro de 1910.

 Foi depois de outra libertação — a de 25 de Abril de 1974 — que os Sargentos, por iniciativa de uns quantos, num 31 de Janeiro de um ano que já não recordo, resolveram juntar-se num almoço para arvorarem essa data no dia da sua classe. Ainda não se falava em associativismo militar e, muito menos, em Associação Nacional de Sargentos. Mais uma vez, eles, com a força da sua vontade, de peito aberto, saíram a terreiro e, sem o apoio de nenhuma instituição castrense, proclamaram que tinham o direito a ter o seu dia, um dia glorioso, não por celebrar uma vitória, mas por recordar o sonho da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade.

 O meu Pai, primeiro sargento enfermeiro da Armada, já nessa época distante, na situação de reserva, embora na efectividade de serviço, respondeu à chamada dos seus camaradas e lá foi, salvo erro, para Almada, Cacilhas ou Laranjeiro, comemorar o dia nacional do Sargento.

Confesso que foi com orgulho que o vi tomar essa iniciativa, porque, estando ele há muitos anos na situação de reserva, poderia sentir-se desligado das obrigações morais que tinha para com os seus camaradas. Mas o meu Pai, humanista e estudioso da política nacional e internacional, culto, dado à poesia e ao jornalismo, julgou que a classe militar de onde provinha pudesse precisar dos seus serviços e prontamente se apresentou, marcando presença e engrossando a cadeia humana que se estava a formar. No orgulho que senti floresceu o exemplo com que sempre me havia ele balizado a existência.

 Os anos sucederam-se uns atrás dos outros; estou próximo de ser mais um septuagenário militar a quem resta o orgulho de ter servido a Pátria onde, quando e nas condições por ela ditadas. A minha arma hoje é a palavra. Esgrimo-a com a mesma vontade com que, há quase cinquenta anos, escolhi a carreira castrense para ser útil à sociedade. Recordar o meu Pai, a classe de Sargentos e o 31 de Janeiro são obrigações que assumo com prazer e alegria, porque, quanto mais o tempo passa, mais próximo me sinto das minhas origens familiares.

Luís Alves de Fraga